EXPLICATUDO

EXPLICATUDO

A PESTE (Albert Camus)- Comentário:

A PESTE
(Albert Camus)
Comentário:


Nesta obra trata-se da exclusão de toda a população de uma cidade, Orão, nos anos 40 devido a uma epidemia de peste bubónica. O autor dedica-se mais a retratar o comportamento das pessoas directamente e indirectamente relacionadas com o combate à peste, às formas como a mesma é combatida do que propriamente em retratar a exclusão de que a cidade é vítima.


Por outras palavras, trata-se, neste volume, de retratar sobretudo a vida em exclusão e em ambiente de exclusão do que colocar termos de comparação ou mesmo de revolta e rejeição contra a situação.


As referências que se encontram a este tipo de revolta são-no feitas de forma individualizada (tentativas de fuga através das linhas protectoras do " cordão sanitário") e exploração dos estados de alma daqueles que, sendo, globalmente, exilados na sua terra, sentem que não merecem esse exílio apenas pelo facto de ali se encontrarem na altura da detecção da epidemia.


Contudo e importante de realçar é que o próprio autor, que durante a segunda guerra mundial foi jornalista no Combat, jornal de libertação da França contra a Alemanha, ele mesmo exclui a população indígena e refere até, com algum à vontade, o facto de Orão ser uma cidade francesa que mais parece uma vila qualquer de França do que propriamente referir a situação colonial de Orão.


Os 250 mil habitantes, na sua maior parte argelinos, não são sequer referidos durante todo o relato, havendo apenas uma referência à morte de um árabe por um francês, o que foi aliás objecto da sua obra anterior "O Estrangeiro".


Neste caso não funciona o "bode expiatório", não há referências ao possível aparecimento do surto de peste devido às condições económicas mais difíceis da população árabe e trata-se sobretudo de uma obra de resignação, em que as pessoas, apesar de esporádicos reencontros às portas de saída da cidade encerrada, aceitam com algum fatalismo a possibilidade e a eminência da morte.


Existe apenas uma referência, entre franceses, sobre um indivíduo sujeito a quarentena após a morte de um familiar e que após essa quarentena cumprida regressa e é considerado suspeito de "poder ter" a peste, ou pelo menos, mais suspeito que qualquer dos dois intervenientes no diálogo, isentos de suspeita (ou que se consideram como tal). O problema da peste é alargado a um estado de alma, identificado até a um estado geral, a um estado de espírito, em que, supostamente, a peste existiria no mundo inteiro sob diversas manifestações: como pena capital para os criminosos, por exemplo.


A exclusão é pouco sentida enquanto exclusão em face de outros, contudo o problema colocado pelo autor relaciona-se assim, mais, com a exclusão do indivíduo e a sua auto-exclusão em face da sociedade e não pela intervenção da sociedade para excluir o indivíduo, se esquecermos a exclusão da população árabe de todo o enredo histórico.


As razões que levam a esta exclusão, dentro dos excluídos, da população indígena, não foi até agora, e que eu tenha conhecimento, objecto de qualquer referência da parte quer da crítica quer de analistas do problema levantado por Camus na sua obra a Peste.


Por outro lado, esta ausência de contacto verbal, que pressupõe uma ausência de contacto físico, entre franceses colonialistas e população residente, é, de alguma forma bastante mais radical em Camus do que nos relatos que têm sido feitos sobre questões de relacionamento inter cultural e social entre populações residentes e colonizadores, entre os quais se estabelece uma hierarquia bastante rígida e que tem como exemplo o procedimento colonial inglês.


Igualmente, este afastamento entre as duas comunidades que nos aparece quase como real (ou pelo menos metido entre um parêntesis histórico) resulta também no facto de que não são manifestadas quaisquer reacções de culpabilização em relação à população árabe - residente sobre as origens da peste, o que seria de supor poder haver uma vez que as populações residentes detinham índices de infra – estruturas sanitárias bastante inferiores àquelas que eram distribuídas à população francesa colonizadora.


A Peste, de Albert Camus, faz contudo parte de uma curiosa forma de ver as situações da parte deste autor, em que o enclausuramento das personagens as coloca quase num clima irreal ou irrealizável. Já no Estrangeiro o mesmo problema se põe, não havendo, inclusive, no filme originado pelo referido livro, necessidade de introduzir qualquer elemento indígena como actor / representante da população desta forma marginalizada.

 



21/01/2008
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