DARWIN E MARX
DARWIN E MARX
Após Descartes, a interpretação da natureza começa por se fundamentar mais fortemente nos aspectos imediatos, sem intervenção de instrumentos auxiliares metafísicos declarados. O mundo, tal como os sentidos que dele tomavam conhecimento, e a sua representação eram idênticos. À visão, agora enormemente reforçada pelos meios auxiliares que a física punha ao serviço da ciência, revelava-se agora um mundo novo, micro e macrofísico que constituía uma nova realidade, a par da até aí apercebida.
Isto não quer de modo nenhum significar que se pudessem muito simplesmente reduzir todos os fenómenos manifestados nos seres vivos a processos físico-químicos, embora houvesse quem pensasse assim. Contudo, já no Sec. XVII se revelou a tendência para interpretar os processos da vida em termos exclusivamente físico-quimicos.
Tal concepção revela-se também na filosofia desse século, principalmente no já citado René Descartes (1596-1650), cuja explicação mecanicista dos processos que se passam nos seres vivos influiu nitidamente nos estudos do seu tempo. A orientação da explicação muito largamente espalhada no Sec.XVIII e as tentativas de considerar os seres vivos de um modo puramente mecanicista são características desta tendência.
Simultaneamente estabelece-se nessa época uma especialização cada vez maior da biologia, que dificultou cada vez mais uma visão de conjunto. Carl von Linné (1707-1778) estabelece no seu System der Natur uma ordenação de alto significado e fundamental no reino animal e vegetal, pelo que é considerado o pai da sistemática moderna. Buffon (1707-1788) ao contrário de Linné, considera que os problemas dos estudos da natureza consistem antes numa vasta caracterização descritiva dos seus aspectos, como se conclui da sua enciclopédia, a Histoire Naturelle.
No Sec. XVIII, a par de uma biologia mais sistemática, comparada e descritiva, desenvolve-se uma série de especulações sobre a origem das espécies, que exerceram sobre a orientação dos estudos biológicos uma influência muito importante. Cuvier (1769-1832), um dos mais notáveis zoólogos do seu tempo e um dos criadores da anatomia comparada, defende o ponto de vista da invariabilidade das espécies. Foram seus antagonistas os adeptos do chamado evolucionismo, Lamarck (1744-1829) e St. Hilaire (1772-1884) que se podem considerar precursores de Darwin.
Darwin (1809-1882), o mais notável defensor do Evolucionismo nos tempos modernos, viu principalmente na selecção natural, que através da luta pela existência deveria ser a causa tanto da hereditariedade dos caracteres adquiridos como da variabilidade das espécies, a origem da diferenciação destas.
O princípio em que se baseia a hipótese de Darwin é o aparecimento ocasional de variações de diferente natureza nos seres vivos, variações que são depois submetidas à selecção natural. O aparecimento dessas variações era atribuído a factores de natureza causal; pelo contrário, a evolução propriamente dita não obedeceria a nenhuma lei, de sorte que é o acaso que desencadeia a selecção natural, determinando assim a formação de espécies novas.
O curso das ideias de Darwin exerceu forte influência sobre a sistemática, a anatomia comparada e o estudo da hereditariedade, disciplinas em que se buscaram provas em favor da teoria da evolução. Desencadeou-se então uma batalha pró e contra o darwinismo, batalha que ainda hoje dura. Um dos mais ardentes adeptos da teoria foi o zoólogo Ernst Haeckel (1834-1919), o qual, no que se refere ás suas consequências, foi muito mais longe do que Darwin, e que no seu trabalho capital "Os Enigmas do Universo", procurou explicar a origem do mundo a partir de partículas elementares dotadas de vida.
As consideráveis consequências que Haeckel e os seus adeptos deduziram da teoria de Darwin encontraram, em parte, uma acerada crítica. Ao número destes críticos de Darwin pertenceu, entre outros, August Weissmann (1834-1914), que rejeitou a teoria da hereditariedade dos caracteres adquiridos e em seu lugar propôs uma teoria própria, chamada teoria do plasma germinativo, com que procurou explicar o aparecimento de novos caracteres.
Nem esta nem a teoria das mutações, formulada mais tarde e que admite o aparecimento brusco e constante de espécies novas, puderam explicar a evolução das espécies, a sua multiplicidade e a sua integração num plano natural, pois que, em organismos em luta de concorrência, oportunidade e plano ordenado constituem o pressuposto da viabilidade e, deste modo, de estarem em condições de tomar parte numa luta pela existência e pela selecção.
Jakob von Uexkull, um biólogo Estoniano nascido em 1864, defensor da tese dos mundos - próprios, talvez venha a ser útil para compreensão desta dissertação. Na verdade, segundo este autor, no seu livro Doutrina do Significado: "Seríamos constantemente induzidos em erro se quiséssemos introduzir a medida - padrão deste nosso mundo na apreciação do mundo dos animais." e parece-me que uma parte substancial dos estudos sobre as origens do homem vêm a enfermar do desconhecimento deste principio basilar.
Na verdade não podemos esquecer-nos que, quando analisamos o comportamento dos antropóides o estamos a fazer sob uma perspectiva que é nossa e quando analisamos os comportamentos dos antropóides de há milhões de anos o estamos a fazer sob uma perspectiva que dista deles esses milhões de anos para além de ser a nossa perspectiva própria actual.
Ora, este principio tem um contra, ou seja, pode levar-nos á conclusão que não é possível aperceber-nos com grau de fiabilidade aceitável de coisas que estão distantes de nós não só resultado da nossa forma de ser como do tempo que entretanto passou.
Parece-me evidente que se terá que fazer, para sairmos de um circulo vicioso em que, por absurdo, chegaríamos á conclusão que nada podemos saber senão sobre nós mesmos, e que mesmo neste caso, esse conhecimento seria relativo porque estamos inseridos numa sociedade e num processo natural que em certos aspectos não dominamos.
Assim, e na minha opinião, há de facto que ter em conta este factor, da utilização da nossa bitola humana para analisar fenómenos que não são humanos. É evidente que o que conseguiremos será apenas reduzir, tanto quanto possível a nossa margem de erro, mas não podemos nunca, e este facto tem de ser taxativamente aceite, assimilar pura e simplesmente a nossa análise como seres humanos à análise sobre o mundo animal.
E este factor, ou seja, esta tentativa de similitude de análise foi, de certa forma, um handicap poderoso que levou á construção de um grande número de erros quando se tratou (e não só) de, através da análise das sociedades primatas extrair uma análise consentânea com um estádio de evolução da humanidade.
A margem de erro reduz-se ( ou deve reduzir-se ) quando se estudam os primitivos actuais, mas, ainda aí, haverá que ter em conta esta necessidade de separação. Por outras palavras, o processo civilizacional que temos vivido desde há milhares de anos não garante uma análise correcta em absoluto daquilo que fomos enquanto vivíamos num estádio semelhante àquele que analisamos.
De uma forma geral, e contando já com conhecimentos adquiridos posteriormente ao advento de Darwin, os macacos antropóides (Pongídeos) - gibões, orangotangos, chimpanzés e gorilas - têm grandes semelhanças anatómicas e fisiológicas com o homem, embora isto não queira dizer que o homem tenha evoluído a partir destes pongídeos.
Acredita-se contudo que o homem tenha derivado do mesmo grupo, formado também por outros tipos entretanto extintos, como o Pliopithecus desaparecido no Mioceno e como o Dryopithecus desaparecido no Plioceno, e que essa derivação tenha tido lugar no início do Mioceno. Excepção feita para o Kenyapithecus e o Ramapithecus, que podem possivelmente ser tomados como ancestrais do homem, os primeiros hominídeos surgiram há mais de um milhão de anos atrás, durante os primeiros tempos do Pleistoceno.
Foram os "homens simiescos do sul", ou Australopithecus da África (cujas evidências foram encontradas em 1924 na Bechuanalandia) e foi por essa altura que os hominídeos começaram a andar na posição erecta. Na metade do Pleistoceno ocorreu uma substituição gradual dos australopithecus pelos verdadeiros hominídeos a acreditar em vestígios posteriormente descobertos em Java, Pequim, Argélia e na Garganta de Olduvai.
De notar que o espaço ocupado pelo cérebro, na sua relação com o corpo, e a forma do crânio, foram elementos principais para a diferenciação dos diversos tipos de hominídeos ao mesmo tempo que eram constatadas alterações no esqueleto. Finalmente, há cerca de 40.000 anos atrás, o Homo sapiens substitui o anterior homo sapiens neanderthalensis.
Ora, todo este processo evolutivo que foi analisado inclusivamente noutras espécies animais e vegetais colocaram o homem perante uma evidência: descendendo ou não de Adão e Eva, certo era que a sua afinidade com, sumariamente, os macacos, causava sérios embaraços à manifestação inequívoca da superioridade da raça humana, até aí considerada criada tal como a conhecíamos resultado da história (escrita).
Engels e Marx resolveram o problema do relançamento da superioridade inequívoca da raça humana através do famoso dedo oposto aos outros e pelo trabalho que essa anomalia em relação ao macaco originava, estando assim esse facto na origem da separação real do homem dos seus meio irmãos primatas. Como estávamos, e estamos longe de ver um primata a construir estradas e a fazer fábricas esse simples facto dava uma ideia de uma larga separação temporal entre o primata e o homem. No aspecto do homem enquanto ser físico e no aspecto sócio - económico o problema encontrava-se assim, para estes, resolvido.
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