SENSIBILIDADE, ENTENDIMENTO E RAZÃO E A DIVISÃO DISCIPLINAR EM KANT
SENSIBILIDADE, ENTENDIMENTO E RAZÃO E A DIVISÃO DISCIPLINAR EM KANT
Kant reconhece como armas do conhecimento a sensibilidade ( advinda do empirismo) e entendimento ( razão, entendida como elemento coordenador e assimilador daquilo que é apercebido pela sensibilidade). Ora, posteriormente, Kant vem a introduzir um termo, chamado de razão, que, por poder induzir em erro desde logo se procura distinguir da "outra" razão a que fizemos referência quando falamos no entendimento.
Esta Razão ( que passa a fazer parte da terminologia própria de Kant e que deve ser entendida como um entendimento ou uma razão empírica) e que não deve ser confundida com a razão do racionalismo de Descartes, por exemplo, é nada mais nada menos que a faculdade de raciocinar - coordenar (entendimento), distinguindo-se da razão ( no sentido exacto) porque esta é a faculdade de julgar, de emitir julgamentos, ou seja, é a razão a faculdade de entrelaçar aquilo que é apercebido e de formar um juízo sobre conceitos.
A Razão de Kant é assim a faculdade de entrelaçar os juízos entre si, livres já do espartilho da formulação entre sensibilidade e entendimento. Logo, e resumindo, a razão, segundo Kant, é o trabalho realizado no domínio dos juízos já formulados, daí que se chame também de razão pura. Como exemplo ascendente: uma rosa é apercebida pelos sentidos, esses sentidos são coordenados pelo entendimento e o homem julga a rosa como sendo uma rosa. Ora, o conceito de rosa, não precisa de ser sempre confrontado com a rosa física ( sensível ) para poder ser julgado como rosa, podendo por isso tornar-se em conceito abstracto, puro. Em termos correntes pode dizer-se que a razão pura de Kant é uma abstracção de conceitos, tal como os números são abstracções das coisas que estiveram na sua origem e formação inicial.
Ora, a cada uma destas coisas, sensibilidade, entendimento e razão , Kant atribui uma disciplina própria. Para a sensibilidade chama a Estética Transcendental, para o entendimento chama a Analítica Transcendental, e para a Razão chama a Dialéctica Transcendental. Cada uma destas disciplinas tem como base de desenvolvimento uma forma de conhecimento; matemática para a sensibilidade, a Física para o entendimento e a Metafísica para a razão ( pura).
Assim:
a)- Na Estética Transcendental estuda Kant as condições sensíveis do conhecimento, ao mesmo tempo que mostra quais as condições que tornam possível que nas matemáticas existam juízos sintéticos à priori. ( por palavras mais simples, demonstra como é possível existirem os teoremas... e alguma dogmática ). Ou seja, estuda o conhecimento que se obtém com intervenção da sensibilidade ( logo o conhecimento empírico ) embora deste conjunto não possa ser desligado o entendimento na sua função coordenadora. Contudo, embora o entendimento apareça nesta disciplina na sua função "auxiliar" não é ele, enquanto entendimento, estudado na Estética Transcendental. O elemento predominante, e objecto de estudo da estética Transcendental são as condições sensíveis do conhecimento, onde intervém a sensibilidade como condição necessária para que ele se produza. Assim, é o conhecimento empírico.
b)- Na Analítica Transcendental estuda Kant o Entendimento, ao mesmo tempo que mostra quais as condições que tornam possível que haja juízos sintéticos à priori na Física. ( Na física também existem teoremas, postulados...e alguma dogmática). O entendimento é aqui estudado enquanto tal, na sua "mecânica" interna e na sua projecção para a razão ( no seu verdadeiro sentido ). Entender não é o mesmo que conhecer na medida em que o conhecimento pode e deve atingir um estatuto de pureza que o entendimento por si não pode dar, enquanto entendimento.
Existe interconexão entre as diversas escalas do perceber mas essas escalas, após uma fase de conexão tornam-se estanques entre si e há que definir claramente aquilo que é sensibilidade, entendimento e razão. De uma forma geral pode entender-se que a escala é progressiva, ou seja que em termos de qualidade intrínseca a sensibilidade fornece menos conhecimento que o entendimento e que este fornece menos conhecimento que a razão.
Os compartimentos, sendo estanques, têm contudo de ter uma via de passagem e contudo manterem-se estanques. Pode parecer, e é, contraditório, mas as projecções de uma escala para outra são meramente exploratórias e destinadas sobretudo a delimitar precisamente onde acaba um conhecimento e começa outro. Este acontecimento, a existência de uma via de passagem que contudo se volta a fechar na sua própria determinação tem igualmente lugar na divisão posterior da razão pura em razão pura teórica e razão pura prática.
c)- Na Dialéctica Transcendental, estuda Kant a Razão, ao mesmo tempo que se ocupa do problema da possibilidade ou impossibilidade da Metafísica, isto é, de saber se a Metafísica satisfaz as condições que possibilitem a formulação de juízos sintéticos à priori. (Logo, preocupa-se em saber se pode haver dogmática e / ou postulados na Metafísica - como sabemos a Metafísica estuda tudo o que está para além do físico, incluindo o chamado subjectivo ( o ser ). Não estudaremos este aspecto, da dogmática na Metafísica embora ela seja uma divisão própria na sistematologia de Kant e sobretudo uma divisão crítica, ou seja, uma divisão que tende mais a demonstrar a sua inexistência do que a sua existência.
Dogmáticos, no entanto são os chamados postulados da razão pura, ou seja, e conforme veremos à frente, os pressupostos que fazem a transição entre a razão pura teórica e a razão pura prática.
Assim, a Dialéctica Transcendental ( Metafísica) podia dedicar-se à exploração daquilo que Kant entendia ser do seu âmbito:
é pois uma Crítica : da Sensibilidade + Entendimento (Estética Transcendental) e do Entendimento propriamente dito (Analítica Transcendental) e das suas pretensões de alcançarem o conhecimento das coisas em si porque o conhecimento destas coisas em si está para além da experiência, que é o campo onde um e outro- sensibilidade / entendimento e entendimento (razão) , de Kant, vivem e têm de viver.
A perspectiva de Kant, conforme já vimos, é sempre uma perspectiva que parte da negação da possibilidade das coisas existirem num determinado aspecto para chegar à certeza ( por eliminação) de que existem outras ( que nem sempre são as restantes, ou pelo menos, nem sempre são todas as restantes). É neste espírito que Kant critica a Razão na Dialéctica Trancendental, ou seja, demonstra aquilo que ela não é ( ou que não contém) para provar aquilo que ela é ( ou que contém).
Crítica da Razão: A razão, segundo Kant, e conforme vimos atrás tem a seguinte definição: A Razão de Kant é a faculdade de entrelaçar os juízos entre si, livres já do espartilho da formulação entre sensibilidade e entendimento que são os constituintes do juízo em si.
Logo, e resumindo, a razão, segundo Kant, é o trabalho realizado no domínio dos juízos já formulados, daí que se chame também de razão pura. ( A pureza, para Kant, é o facto de estar livre de empirismo, ou seja, de experiência). Conforme vimos esta é já um estádio evolutivo ( abstracto) da experiência e subiu a esse estádio porque, partindo da formulação de juízos ( existentes no campo do entendimento em conexão com a razão ) ela liga os juízos uns aos outros, ou seja, formula conceitos de juízos.
Logo, e segundo Kant, obtém a razão uma lógica de desenvolvimento próprio que a leva a tornar-se na ciência, que, repetindo, "formula juízos sobre os juízos", ou seja, cria uma ideia daquilo que são os juízos e passa inclusivamente a ter vida própria. Ora, se este processo evolutivo se verifica entre os juízos e a razão ( juízos dos juízos) porque se não haveria de verificar dentro da própria razão?! Porque se não haveria de criar uma razão "superior" que fosse, juízo do juízo do juízo?! Em termos mais comuns, se A leva a B porque não há-de B levar a C ?!
É através deste procedimento que Kant chega a uma outra distinção, desta vez dentro da Razão, ou da ideia de razão: há a razão teórica e a razão prática, neste estádio já de desenvolvimento da razão. Por outras palavras, já encontramos um conjunto de definições da razão a níveis que podemos chamar de inferiores ( tanto na sua relação com o entendimento / razão - razão empírica ( entendida e chamada de conceito ) ( na Estética Transcendental ), como na sua relação com os fenómenos, na Física ( Analítica Transcendental).
Mas, este tipo de razão, uma razão superior, que resulta directamente do facto de a razão, ao emancipar-se, primeiro, constituir-se como "juízo dos juízos" ou razão pura ( entendida e chamada de conceito de razão pura ), depois dentro desta, constitui-se, a um nível superior, como razão teórica e como razão prática.
É, pois, esta, uma subdivisão do termo "razão" mas feita a nível diferente. Por outros termos, e conforme já tentámos explicar, a razão pura evolui para um conceito superior de razão, que, se subdivide, este último conceito, em razão prática e razão teórica.
Nota: Esta evolução, embora nos apareça logicamente como linear ( ou quase ) não se processa assim de uma forma tão simples. Para Kant são entidades diferentes porque se encontram em níveis diferentes. Elas, em si, não se tocam. Se há algo que as faz tocar é o sistema (método ) que Kant escolheu - que é quase sempre o mesmo, tipo piramidal, sendo que o topo da pirâmide virá a ser constituída pela Ideia.
No caso da ligação entre a razão teórica e a razão prática são os postulados ou pressupostos que se colocam que fazem a ligação entre os dois tipos de razão, mas a outros níveis inferiores o processo é quase sempre o mesmo ainda que os nomes variem: fenómeno liga-se com intuição quando se trata de fazer ligações interiores ou subjectivas dos fenómenos ou advindas deles; representação de uma intuição à priori ( livre de todo o empirismo ou seja, pura) liga-se com conceito, conceito liga-se com juízo, juízo liga-se com faculdade de julgar, a faculdade de julgar está na razão e é de certa forma uma "intuição" da razão que por sua vez proporciona o conhecimento puro, ou seja, aquele conhecimento tão distante da experiência já que seria um abuso inadmissível referi-lo a qualquer objecto ( empírico). Por isso existem relacionadas enquanto pertencentes a um mesmo método, mas não se relacionam por si. Por outras palavras, trata-se de uma relação formal e não de uma relação de facto.
Ora, o que é a Razão Prática e a Razão Teórica perante este domínio da Metafísica ?
A Razão Teórica ocupa-se em conhecer como são as coisas, isto é, preocupa-se com o conhecimento da sua natureza. Ou seja, quer saber como pensa e porque pensa a razão. A Razão Teórica formula juízos ( já vimos o que é um juízo: uma ideia sopesada, comparada, deduzida, de ideias, neste caso ). É científica. Na afirmação, por exemplo, "o calor dilata os corpos" diz-se uma propriedade de um corpo, aquilo que ele tem ou contém, que, remotamente seguiu toda a escala da razão até chegar a este ponto de abstracção.
Mas, se reparamos bem, não precisamos de ter a noção física do corpo ( ou do calor) para podermos fazer esta afirmação. Ela constitui uma entidade em si que não obriga a qualquer regresso aos outros níveis da razão, e atingiu um tal grau de abstracção que o aplicamos indiferentemente a tudo o que é corpo, ou seja, a tudo o que existe. Evidentemente que podemos decompor esta afirmação e chegar, progressivamente, à experiência, ou experimento, mas nessa altura começamos a trabalhar noutros níveis inferiores da razão.
A razão teórica engloba todos os sistemas ( e graus ) de razão que não cheguem à Metafísica de Kant, ocupa-se daquilo que é cientificável, incluindo a própria razão ( no plano em que ela o é, cientificável - neste caso em termos de lógica).
A Razão Prática ocupa-se em como deve ser a conduta humana. Não lhe interessa como é a conduta humana (desejos, sentimentos, etc.), isso faz parte da Razão Teórica na medida em que faz parte da essência do homem. A Razão Prática formula imperativos ou mandamentos. Não diz como o homem é mas sim como ele deve ser. Por exemplo: "não matarás". Começa na Razão Prática a Metafísica de Kant.
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