Eutanásia versus Cuidados Paliativos
O debate sobre a eutanásia em relação à assistência de doentes terminais, continua vivo depois de quase 3 décadas.
O debate adopta com frequência um carácter bipolar entre dois extremos: eutanásia ou assanhamento terapêutico. Preferimos falar de obstinação terapêutica pelos matizes pejorativos dos termos "assanhamento" e "encarniçamento". Na nossa opinião, um debate nesses termos esquece outras alternativas.
Definição de Eutanásia
Para entrar no fundo da questão, é necessário clarificar o que entendemos por eutanásia. Com frequência, o uso de terminologias com pouca base científica ou imprecisas, perturba o debate de tal modo que as posições não ficam nitidamente definidas. Recolhemos algumas definições em uso nos ambientes profissionais de saúde e entre os estudiosos da Bioética para nos aproximarmos de um conceito preciso de eutanásia. A selecção de fontes está circunscrito a um âmbito europeu em que nos movemos; contudo, são substancialmente semelhantes às que propõem a American Medical Association ou a Organização Mundial para a Saúde. Incluímos a definição proposta pela Congregação para a Doutrina da Fé pela autoridade moral da Igreja Católica e o notável rigor da sua definição.
O Código de Ética e Deontologia Médica espanhol (art.º 28) assinala: O médico nunca provocará intencionalmente a morte de um paciente nem por decisão própria nem quando o doente ou os seus familiares o solicitem,(...). A eutanásia ou "homicídio por compaixão" é contrária à ética médica.
O Guia Europeu de Ética e Comportamento Profissional dos Médicos (1982): O médico não pode proceder à eutanásia. Deve esforçar-se por minorar o sofrimento do seu doente, mas não tem o direito de provocar deliberadamente a morte. Para aliviar a dor, pode ser necessário recorrer a medicinas tóxicas que poderão reduzir o tempo de sobrevivência, mas o médico não pode reduzir esses limites, ainda que tal lhe seja pedido pelo interessado ou muito menos pela sua família.
A Declaração acerca da Eutanásia da Congregação para a doutrina da Fé, organismo da Cúria do Vaticano, (1980), define a eutanásia como: uma acção ou uma omissão que, pela sua natureza ou na intenção, procura a morte com o fim de aliviar toda a dor.
Nas definições assinaladas, encontramos três elementos para considerar alguma ciosa como eutanásia:
1. intenção de pôr fim à vida do paciente;
2. a aplicação de um meio adequado (seja um acto positivo ou a negação do que lhe permitiria sobreviver);
3. e um motivo específico: evitar o sofrimento.
Se analisarmos estes elementos, observamos que a distinção entre eutanásia activa ou eutanásia passiva não tem fundamento ético, pois não há diferença moral entre provocar a morte por um ou outro procedimento; além disso, tal distinção só confunde, ao chamar "eutanásia passiva" a coisas que não são eutanásia. A Organização Médica Colegial Espanhola na sua Assembleia de Janeiro de 1993 condenou formalmente tal distinção por considerá-la confusa e carente de base científica. Estes elementos definitórios marcam claramente o que é e o que não é verdadeira e propriamente um acto eutanásico . Poderia dizer-se que não é o mesmo "deixar morrer" e "matar", mas, enquanto que a verdadeira eutanásia busca intencionalmente a morte, não é um mero "deixar morrer", mas sim "deixar morrer a quem poderia viver se se lhe proporcionassem os meios adequados".
Para clarificar esta questão, voltemos aos mesmos documentos:
O Código de Ética e Deontologia Médica espanhol (art.º 28.2) diz: No caso de doença incurável ou terminal, o médico deve limitar-se a aliviar as dores físicas e morais do doente, mantendo, sempre que possível, a qualidade de uma vida que se esgota e evitando empreender ou continuar terapêuticas sem esperança, inúteis ou obstinadas.
O Guia Europeu de Ética e Comportamento Profissional dos Médicos afirma: Quando a condição do doente requer um procedimento de reanimação, tudo deve ser feito, por um tempo e nas condições cientificamente razoáveis para assegurar a sua eficácia. O assanhamento terapêutico, nestas condições, está de acordo com a obrigação de prestar ajuda. Pelo contrário, chegado o momento, estas acções podem ser legitimamente abandonadas.
A Declaração da Congregação para a doutrina da Fé toma uma postura mais atrevida no que se refere à supressão de meios terapêuticos que não sejam úteis. Enquanto sustenta que, à falta de outros remédios, é lícito recorrer, com o consentimento do doente, aos meios postos à sua disposição pela medicina mais avançada, ainda que estejam em fase de experimentação e não isentos de riscos, não hesita em afirmar que perante a iminência de uma morte inevitável não obstante os meios utilizados, é lícito em consciência, tomar a decisão de renunciar a tratamentos que só proporcionariam um prolongamento precário e penoso da vida, mas sem interromper os cuidados normais devidos ao doente. Sanciona-se assim a liberdade de não se submeter a tratamentos penosos, caros ou de eficácia duvidosa. Mas vão mais além quando, a propósito do pessoal se saúde, declara que é lícito interromper tais meios quando os resultados não estiverem de acordo com as esperanças que se tinham colocado com esses meios. Mas nessa tomada de decisão, deve ter-se em conta o justo desejo do doente e dos seus familiares.
Em definitivo, nem a eutanásia nem a absurda "obstinação terapêutica", mas sim o bom saber profissional com dedicação e consciência de que a medicina tem um limite. Se nos detivermos na definição apontada e nos seus elementos constitutivos, vemos que não pode classificar-se de eutanásia a simples terapia sintomática nos doentes incuráveis; tão pouco, abster-se de manobras de reanimação em doentes em estado terminal, nem a interrupção de tratamentos que já não oferecem possibilidade curativa; também não é eutanásia evitar a "obstinação terapêutica" quando se tem a certeza da impossibilidade de curar.
Inutilidade e futilidade terapêutica
Uma distinção que ajuda a clarificar o debate em torno da Eutanásia é a diferença entre tratamento inútil e terapia fútil. Tratamento inútil é aquele que, correctamente aplicado e com indicação precisa, não obtém o resultado esperado. Por exemplo, perante uma septicemia de foco não localizado, pode iniciar-se um tratamento com cefalosporinas de terceira geração, metroimidazol e um aminoglucócito, e e inclusivamente técnicas agressivas, mas o doente morre de choque séptico. O tratamento foi correcto e bem indicado mas foi inútil.
Tratamento fútil é aquele que, já desde o principio, não pode proporcionar um benefício ao doente; por exemplo, ventilação assistida a um doente com insuficiência respiratória por metástase de um tumor incurável.
Doente em estado terminal
Estado terminal define uma situação de morte iminente inevitável, em que as medidas de suporte vital só podem conseguir um breve alívio do momento da morte. Esta situação é completamente diferente das crises de especial gravidade que podem ocorrer no decurso de uma doença grave. Às vezes, identificar a situação terminal é relativamente fácil nos processos incuráveis, mas pode ser praticamente impossível em doenças graves cujo prognóstico não é necessariamente mortal. Para se poder falar com propriedade de estado terminal, é preciso tratar-se de uma doença incurável hoje em dia, com prognóstico fatal a curto prazo. Não é doente terminal aquele que se encontra numa situação grave com risco de morte por causa de um processo de natureza curável. Nem pode considerar-se doente em estado terminal aquele que, com uma doença incurável e de prognóstico fatal, tenha uma esperança de vida razoavelmente superior a 6 meses. Também não pode considerar-se aquele que está em estado de coma se não se tiver a certeza de ser irreversível.
Medidas concretas perante doentes terminais
Acompanhamento: o médico não deve deixar de atender o doente com toda a boa disposição mesmo quando não tenha esperança de o curar. Continua em vigor o clássico princípio da ética médica que sintetiza a função assistencial do médico: Curar, Aliviar, Consolar.
Informação: a morte é um facto transcendente que afecta a pessoa e quem a rodeia (família, amigos, etc.). Poderia dizer-se que cada um tem "direito" a "viver a sua própria morte"; isto seria impossível sem a informação adequada. A tarefa de informar deveria caber a pessoas de confiança como os familiares mas, na prática, essa tarefa recai muitas vezes sobre o pessoal de saúde. É preciso saber dosear a informação. Enganar o doente nunca é positivo, pois no fim de contas é ele que vai enfrentar a sua própria morte. Por outro lado, quase sempre o doente está consciente da sua grave situação, e ver-se rodeado de meias verdades ou mentiras aumente a sua ansiedade e, sobretudo, a sua solidão.
Atenção espiritual e social: não se pode impor uma determinada conduta neste terreno, mas o médico, no respeito pela liberdade do doente, deve oferecer-lhe a possibilidade de receber a assistência espiritual que deseje e a possibilidade de proceder a obrigações morais graves como outorgar testamento, etc., antes de recorrer a medicamentos que possam privá-lo da consciência.
Tratamentos paliativos: são aqueles que se administram para tornar mais suportáveis os efeitos da doença e especialmente para eliminar a dor e a ansiedade. No quadro junto, vemos o diagrama de resultados dos 105 primeiros casos tratados pela Unidade de Dor de um Hospital. O número relativamente baixo de casos é significativo por tratar-se dos primeiros casos de dor tratados por uma unidade nova. Em 98 casos de controle da dor, foi completo; cinco doentes consideraram-no aceitável e apenas 2 doentes não ficaram satisfeitos. Cabe-nos esperar melhores resultados de uma maior experiência e também de medicamentos + eficazes. Além disso, são relativamente poucos os doentes que precisam de terapia especializada, proporcionada nas actuais Unidades de Dor que existem na maioria dos Centros Hospitalares.
Cuidados mínimos: são aqueles que se devem a todas as pessoas pelo facto de serem pessoas, pelo que nunca podem abandonar-se, uma vez que respondem à consideração devida à dignidade da pessoa humana:
Alimentação: oral ou por sonda nasogástrica ou gastrostomia. A nutrição parenteral (pela veia) total só deve administrar-se quando haja uma razão curativa ou paliativa clara, mas não parece razoável quando se chega a uma situação terminal.
Hidratação: faz parte das medidas paliativas, pois elimina a sede, contribui para a estabilidade hemodinâmica e, portanto, contraria o mal estar do doente.
Cuidados higiénicos: manutenção da pele, medidas anti-escaras, higiene da boca, mudança da roupa da cama, limpeza, etc.
Economicismo e Eutanásia:
Este apontamento é uma mera hipótese de trabalho, mas nos países desenvolvidos, 70% das mortes acontecem nos Hospitais e 80% dos gastos de saúde investe-se nos três últimos anos de vida das pessoas. A Eutanásia pode apresentar-se como uma "tentação" de reduzir de forma rápida e limpa as cargas sociais que nos países desenvolvidos é atribuído aos doentes incuráveis se se fomentar um ambiente cultural alheio à santidade da vida humana.
Conclusões
Parece necessário reclamar o direito a "viver com dignidade até ao momento da morte", em lugar de um "direito a uma morte digna" que a eutanásia não proporciona.
O médico não pode nunca reduzir o paciente terminal a um mero sistema fisiopatológico desintegrado. É isso, mas muito mais: é uma pessoa. A sua visão há de integrar a imagem do sistema irreparável com a do ser humano que não pode abandonar e que respeitará e cuidará até ao fim. Aí está a grandeza da medicina paliativa: ver, a um tempo, pessoas para seguir ao seu lado, e uma biologia naufragada para abster-se de acções fúteis. Reconhecer a impossibilidade de curar é uma manifestação de humanidade, de ética cheia de solicitude e de essa humildade própria do cientista rigoroso.
Citando o escritor Jean Rostand, não há nenhuma vida, por muito degradada, deteriorada, rebaixada ou empobrecida que esteja, que não mereça respeito nem que se a defenda com valentia. Tenho a debilidade de pensar que a honra de uma sociedade reside em assumir, em aceitar o oneroso luxo que supõe para ela a carga dos incuráveis, dos inúteis, dos incapazes; eu mediria o seu grau de civilização pelo esforço e a vigilância a que se obriga pelo mero respeito pela vida...
Escondemos a morte como se ela fosse vergonhosa e suja.
Vemos nela apenas horror, absurdo, sofrimento inútil e penoso, escândalo insuportável, conquanto ela seja o momento culminante da nossa vida, o seu coroamento, o que lhe confere sentido e valor.
Não deixa, por isso, de continuar a ser um imenso mistério, um grande ponto de interrogação que transportamos no mais intimo de nós.
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