O PRINCÍPIO DA EXCLUSÃO
A marcha sócio / cultural das sociedades tem deixado sempre - o que não quer dizer que tal problema seja eterno - algumas franjas inadaptadas às novas situações que essa evolução coloca. Em sociedades bem determinadas, considerado que seja o escalonamento cultural das populações ( resultado por sua vez de factores dos mais diversos que vão desde a formação religiosa e cultural até à situação socio-económica ) tem-se tornado impossível e até indesejável segundo alguns autores, que as instituições que detêm o poder sejam um mero reflexo ou espelho das populações que dizem representar. A famosa teoria da vanguarda esclarecida parece ter, assim, que funcionar.
Numa sociedade cada vez mais globalizada, em que os conceitos directa ou indirectamente relacionados com o " bem " e o " mal " se vão auto – definindo de uma forma cada vez mais clara e mais uniforme, ou tendente para a uniformidade, seria absurdo pensar-se que comunidades fechadas ou com evoluções culturais ou mais lentas ou fundamentalmente diferentes das sociedades modernas, absorvessem em ritmo acelerado alguns dos princípios que levaram ( e levam ainda ) milhares de anos a implantar-se nas sociedades modernas.
Na verdade, o Estado, e os Estados, pretendem-se como elemento racional e racionalizador das sociedades. Os componentes dessas sociedades vivem, segundo Ortega y Gasset, por exemplo, guiados por crenças. "A crença não é, sem mais, a ideia que se pensa, mas aquela em que também se crê. E o crer não é já uma operação do mecanismo "intelectual", mas uma função do vivente, como tal, a função de orientar a sua conduta, o seu que fazer ". ( Ortega y Gasset, História como Sistema ).
Por outras palavras, e seguindo este autor, cujas concepções neste plano nos parecem perfeitamente adequadas àquilo que queremos ilustrar, a desracionalização do Estado, a sua assunção da crença, por mais completa e reguladora e isenta de mácula que ela seja, equivaleria à entrada num campo que se escapa às potencialidades de domínio de si mesma que a razão em si possui.
APONTAMENTO HISTÓRICO SOBRE AS NORMAS
Classicamente sabe-se que o pensamento mítico - religioso grego afirmava que as leis e as instituições provinham dos deuses. Heraclito, posteriormente, já não vincula o termo "Nomos" ( a lei ) à intervenção particular de qualquer divindade. Para ele a lei emana da própria ordem ou organização do universo. Ou seja, as leis e as instituições são como são por que têm de ser assim para se integrarem e porque se integram na ordem do Universo. Hoje falar-se-ia de causalidade.
Os sofistas, os clássicos terceiros intervenientes no que se refere à génese da " Nomos " pressupõem que as leis são convenções, ou seja, acordos entre os homens feitos para os homens. Em qualquer dos casos, e não será nunca de menos realçar este facto, as leis são pensadas e interpretadas pelos homens, independentemente da sua origem declarada e / ou simplesmente pressuposta. Ou seja, quer no pensamento mítico - religioso, quer no pensamento fisicista Heraclitiano, quer no próprio pensamento sofista, não oferece dúvida que a "Nomos" e posteriormente a "Physis" são pensadas pelos homens.
Não esquecemos, e tal seria a nosso ver imperdoável, que existe diferença - embora exista o ponto comum do interpretante ser sempre o mesmo, o homem, em toda a sua diversidade temporal e pessoal - que quando se acredita que as leis provêm dos deuses ou de deus, ou quando se acredita que elas se integram na ordem do universo ou que quando se aceita as mesmas como um contrato entre os homens, que essa diferença implica necessariamente uma diferença nos seus conteúdos.
Aquilo que é permitido e atribuído aos deuses é sem dúvida diferente daquilo que se atribui a uma imaginada ordem do universo ou mesmo a uma convenção entre pessoas. Estes três passos: pensamento mítico religioso, pensamento sobre uma ordem universal e pensamento dos homens ( atribuído originalmente aos homens ) representam pois três fases cruciais do pensamento político – social do homem que se potenciam no presente e que produzem , pela sua fricção / disparidade, uma parte do fundamento do conceito de exclusão.
Mas, também importante, a nosso ver, é que a "revolução" sofista trouxe para a praça pública aquilo que antes era objecto de mandamento ( no caso do pensamento mítico - religioso) de lei física, ou da natureza ( no caso do pensamento Heraclitiano ) ainda que as fronteiras entre deus ( ou deuses ) e natureza e vice – versa não sejam nunca muito claras.
O facto de, no pensamento sofista, se assumir como sendo feitas pelos homens e para os homens, as leis, colocou imediatamente ao alcance da alteração de facto as mesmas e tornou-as mais discutidas do que o eram nos dois anteriores períodos ou estadios culturais, mesmo que estas ainda hoje se encontrem mescladas com os dois anteriores estadios.
Este facto, por seu lado, não impede que existisse alteração das normas ainda que não manifesta de forma explícita durante os outros dois períodos que referimos. A mitologia grega está repleta de exemplos onde se nota essa evolução, quer ela seja demonstrada pelo desacordo e pela luta entre os diversos Deuses, quer pela entrada repetida de seres mortais / homens no reino dos Deuses (Olimpo). As próprias limitações dos deuses, quer pela distribuição de campos e de tarefas, quer pela sua não omni – potência, potenciaram um processo evolutivo no pensamento mandatório, não deixando criar-se por muito tempo a dogmática rotativa das interpretações.
Por isso, e para se avaliar a importância da diferença entre estas três fases, em termos de resultados, necessário seria comparar os diversos ordenamentos ( que existem esparsos mas não codificados ), o que e como se entende, iria muito mais longe do que o caminho que pretendemos atingir.
Contudo, e em jeito de conclusão, ficamos a saber de uma forma mais clara que existe uma potência de exclusão resultante das disparidades de interpretação da (s) norma (s) e que nesses pontos de divergência se processa uma clivagem nem sempre evidente ou fácil de destrinçar, entre aquilo que, sendo o bem ou o mal, encontra diferentes interpretações tão largamente afastadas ou tão estreitamente enlaçadas consoante o grau das suas potências de verdade específica inseridas.
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