ORGANIZACAO DA FAMILIA
Apesar do repúdio de alguns antropólogos aos trabalhos de Morgan sobre os iroqueses, que tiveram alguma influência na obra de George Thomson, este refere que o clã era necessariamente endogâmico. Irmãos e irmãs acasalavam-se livremente. No entanto à questão de saber se os pais se acasalavam com a sua descendência é Thomson peremptório argumentando com o bloqueio da cooperação social.
Compreende-se perfeitamente a tese de Thomson se tivermos em atenção que a discussão aparece numa altura em que refere a separação do homem do macaco e da saída daquele do sistema de horda para o sistema social clânico. Assim o clã procriaria entre estratos etários semelhantes, por uma necessidade de aquisição do sentimento do parentesco, das obrigações mútuas e pelo sentimento de um elo de afinidade natural entre mãe e filho.
Só assim se chegaria, partindo da teoria do clã, à divisão deste em dois e à relação sexual já não exogâmica que é então substituída pelo "casamento" alternado entre as duas divisões originadas no clã dando assim origem à tribo. Engels saí desta situação de uma forma diferente, como vimos, ainda que existam semelhanças. Mantém-se a base clânica que acaba por se transformar em base territorial em Engels enquanto que em Thomson se divide o clã para dar origem à tribo.
Ora, o estudo a que tivemos acesso sobre os sistemas de parentesco e casamento em tribos africanas, dirigido por Radcliff-Brown e Daryl Forde, é claro que o clã, de uma forma geral, e embora se estenda territorialmente, se mantém como clã, ainda que esse clã exista dentro de uma tribo. Utilizamos aqui a palavras clã tanto para definir o clã, propriamente dito, patrilinear e a gens matrilinear. Não nos parece importante que para este trabalho e desde já se faça a distinção. Qualquer um deles é um agrupamento familiar e para o efeito em estudo é isso que interessa.
De esclarecer contudo que Engels na introdução á "Origens da Família, da Sociedade Privada e do Estado" para além de reconhecer basear-se em Marx e em Morgan pretende ainda combater as teses de Bachofen que em 1861 escreveu um livro "O Direito materno", onde este, pelo caminho da religião procurava desenvolver uma teoria da evolução da família desde os tempos da promiscuidade sexual em que funcionava a linhagem pelo lado materno ( única possibilidade de assegurar a titularidade familiar) até à monogamia e à titularidade da paternidade por parte do homem ainda que sob curiosas condições:
Bachofen afirma que nalguns casos a mulher (monogâmica) era "utilizada" por outros homens para os compensar de um direito ancestral que tinha sido adquirido pelos homens no tempo da promiscuidade sexual. Antes que acrescentemos outros elementos devemos acrescentar que as sociedades matrilienares nada têm a ver com a promiscuidade sexual, sendo o sistema que vigora actualmente nas sociedades modernas tanto patrilinear como matrilinear, ou seja, os laços de parentesco correm em duas direcções simultaneamente.
Mais à frente trataremos deste assunto mais detalhadamente, mas, desde já podemos ir dizendo que, por exemplo entre os bantos da África Central se estabelece a filiação por linha uterina. Existe a crença de que o sangue passa através da mulher e não através do homem. As metáforas do parentesco vincam os laços entre as pessoas "nascidas do mesmo ventre" ou "amamentadas pelo mesmo seio" e nalgumas tribos o papel físico do pai crê-se limitado a animar o desenvolvimento do feto, já formado no útero.
O dever da mulher de produzir filhos para a sua linhagem é salientado, e a filiação é fixada a partir de uma antepassada original ou de uma série de antepassados conhecidos por "mães" da linhagem ou do clã, e também, nalguns casos, dos irmãos destas antepassadas fundadoras. O culto ancestral centra-se em redor da adoração dos antepassados matrilienares mais do que dos patrilineares, embora os espíritos da linhagem do pai sejam, algumas vezes, objecto de ritos subsidiários.
Um filho pertence ao clã ou linhagem da sua mãe, e a sucessão ao cargo segue a norma matrilinear comum, quer dizer, a autoridade passa para os irmãos do falecido ou para os filhos das suas irmãs, ou para os filhos das suas sobrinhas uterinas. Entre alguns Bantos centrais as mulheres herdam os títulos das suas antepassadas reais, ou detêm posições de chefia, com funções rituais especiais.
Já quanto à patrilinearidade e através de uma palavra derivada de uretra ( yeponama ) formam-se grupos com este nome que são patrilinhagens corpóreas cujos membros estabelecem a filiação através do nascimento ou da adopção a partir de um antepassado comum situado três a cinco gerações atrás. Estes grupos variam em força, de meia dúzia a trinta homens adultos.
Cada um tem uma área de habitação reconhecida e demarcada na qual vive a grande maioria dos seus membros com as suas mulheres e filhos. Os patriclãs são estritamente exogâmicos e esta regra é observada sem grande dificuldade, uma vez que o domicilio conjugal é patrilocal. No casamento uma mulher abandona a sua residência e a patrilinhagem a que pertencia por nascimento para se juntar ao marido, algures na mesma aldeia.
Nestes casos é normal que a exogamia proíba um homem de casar com uma mulher do seu próprio grupo ou linhagem. Por outro lado, nalguns sistemas há certos parentes com os quais o casamento não só é permitido como ainda é considerado desejável. O termo casamento preferencial é vulgarmente aplicado a esta forma de união. Os exemplos mais vulgares são o casamento de primos cruzados (casamento com a filha do irmão da mãe ou do pai) e casamento com a irmã da mulher ou a filha da irmã da mulher.
Certas normas referem-se a relações sexuais fora do casamento. Incesto é o pecado ou crime de união sexual entre pessoas relacionadas pelo parentesco ou por casamento dentro dos graus definidos pela lei ou pela religião. O casamento e relações sexuais fora do casamento não são a mesma coisa, e as normas que se lhes aplicam têm de ser consideradas separadamente. Muitos dos estudos sobre estas normas estão viciados pelo facto de neles não se ter diferenciado dois problemas distintos, ainda que obviamente relacionados.
Na maior parte das sociedades verifica-se uma tendência para condenar as relações sexuais entre pessoas que estão proibidas de casar. Mas há muitos casos em que um homem e uma mulher que não podem casar podem ter relações sexuais sem que isso seja considerado ofensa grave como a do incesto, e sem serem passíveis de qualquer sanção jurídica ou religiosa.
Entre os Tallensi da África Ocidental há mulheres com quem um homem está proibido de casar mas o facto de ter relações sexuais não é considerado incestuoso; os próprios Tallensi dizem "a copulação e o casamento não são a mesma coisa". De modo semelhante , entre os Nkundo do Congo (Khinshasa) existe um termo especial (lonkana) para as relações sexuais com mulheres com quem um homem não pode casar mas com quem tal conexão não constitui incesto; são mulheres de um clã (ou linhagem) que está relacionado com o seu e no qual ele não pode casar por esta razão.
Noutras tribos ou etnias a questão pode pôr-se de outra forma. Os próprios nativos dizem que um casamento dentro da linhagem destrói a sua unidade, uma vez que cria dentro do grupo relações por casamento que são inteiramente incompatíveis com as relações estabelecidas de linhagem. Haverá portanto resistência ao casamento proposto. Mas se houver votos suficientes a favor deste a linhagem pode dividir-se em duas linhagens distintas mas relacionadas, entre as quais o casamento se torna possível.
O caso dos Tswana, que reconhecem a linhagem patrilinear é um caso diferente; parece terem tido a preferência pelo casamento com a filha do irmão da mãe, mas também permitem o casamento dentro da linhagem com a filha do irmão do pai.
Incesto é, propriamente falando, o pecado ou crime de intimidade sexual entre parentes imediatos dentro da família - pai e filha, mãe e filho, irmão e irmã. Nas sociedades humanas tal conduta é geralmente considerada inconcebível, qualquer coisa que não pode ocorrer, e só a ideia disso levanta uma forte reacção emocional de repugnância ou horror.
É caracteristicamente considerado como uma acção anti - natural, contrária não tanto à lei e à moral mas à própria natureza humana. É esta reacção emocional que temos de explicar se quisermos uma teoria do incesto. Um outro exemplo de um tipo de acção encarada como anti - natural é o parricídio, a morte do pai ou da mãe. O paralelo entre incesto e o parricídio encontra-se ilustrado no teatro grego.
Quase em toda a parte nas sociedades humanas a primeira experiência que toda a pessoa tem na sociedade ocorre na família parental, o grupo doméstico íntimo constituído por pai, mãe e os filhos. Certas atitudes emocionais desenvolvem-se neste grupo com suficiente força para serem pensadas como "naturais" no sentido de serem parte da própria natureza humana.
O tipo de atitude emocional que existe na intimidade sexual, e os tipos de atitude emocional desenvolvidos na família em relação aos parentes mais próximos são sentidos como violentamente contrários, insusceptíveis de uma combinação ou conciliação. Esta é uma matéria da lógica dos sentimentos, não da lógica da razão, e é o que os escritores pretendem dizer quando afirmam que a repugnância pelo incesto é instintiva, porque há uma certa lógica das emoções que é a mesma em todos os seres humanos por isso que não é adquirida mas provém do seu íntimo.
Os indivíduos que se comportam contrariamente a esta lógica de sentimento, como o assassino da sua mãe, adoptam um comportamento anti - natural. O estudo do que se considera ofensas anti - naturais - incesto, bestialidade, e nalgumas sociedades homossexualidade, parricídio e matricídio - é um ramo especial do estudo comparativo da moral.
Uma ofensa que é frequentemente considerada anti - natural é a feitiçaria, no sentido de lançar o mal sobre os membros do próprio grupo social de uma pessoa. Na África o incesto e a feitiçaria estão muitas vezes correlacionadas. Um nativo sul-africano comenta com horror a intimidade sexual de alguém com uma irmã dizendo que isso é feitiçaria.
Na verdade há uma crença espelhada em África de que um homem pode conseguir o poder máximo como feiticeiro por meio da relação incestuosa com a sua mãe ou irmã. Em muitas sociedades primitivas pensa-se que o incesto será punido por sanções sobrenaturais. Estes elementos são todos eles importantes para a compreensão da atitude para com o incesto. A família é normalmente encarada como algo sagrado; incesto, como parricídio ou matricídio, é sacrilégio.
A relação entre incesto e feitiçaria, que se encontra em África em vários trabalhos descritos, foi tratada de uma forma independente mas nalguns pontos coincidente no livro de R. Fortune, os Feiticeiros de Dobu, elaborado com base em trabalho realizado junto dos indígenas de Dobu, pertencentes à Divisão Oriental dos Papuas.
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